domingo, 11 de setembro de 2016

Fotos - A Origem

Retrospectiva do FIlme A Origem em 2015, esperamos que 2016 seja ainda melhor!

Vencedor da categoria Média Metragem. Festival Internacional de Cinema Independente Festicini, Sumaré - São Paulo.

Seleção Oficial Surf at Lisbon - SAL, Portugal 2015 - Representado por Fernando Marreco Muniz.

Colégio Brigadeiro Eduardo Gomes - Campeche, 12 sessões - 800 alunos de 06 à 16 anos.

Seleção Oficial Mimpi - Surf e Skate Festival - RJ 2015

Casa de Seu Jorge

Eis aí mais uma oportunidade de debruçarmo-nos sobre uma foto do arquivo do documentarista Ademir (Nenem) Damasco. 



Essa foto nos remete a uma casa da Rua da Capela pertencente a um personagem emblemático da história do Povo do Campeche, Seu Jorge da Januária (sendo januária sua mãe)ou também conhecido como Jorge da Mena ( sua esposa). Essa é uma característica das comunidades de descendentes de açorianos que reconhecem seus moradores a partir do nome dos pais ou cônjuges. 
Nesta foto seu Jorge está sentado na porta de sua casa tomando um solzinho de inverno. Aparece segurando sua bengala pois já estava acometido de cegueira total. ,
Na comunidade era conhecido como um hábil vigia de pesca da rede da família Inácio. Sua cegueira foi provavelmente decorrente do diabetes mas como ainda era uma doença pouco diagnosticada, muitos creditavam sua falta de visão ao fato de passar horas e horas olhando para o mar na captura de alguma manta (cardume) de tainhas ou anchovas. 
Mesmo cego seu Jorge nunca abandonou a atividade da pesca,e ainda ajudava a puxar as redes. Nos arrastões colocava seu quinhão no samburá (balaio de cipó e bambu com alças) e ao apalpar os peixes reconhecia de qual espécie se tratava.
Seu Jorge gostava de um bom papo e era muito apegado a vida, manifestando sempre o medo de morrer. Cada vez que o sino da capela tocava anunciando mais uma morte na comunidade Seu Jorge exclamava em tom de preocupação: “Ai ai ai Mena, ai,ai,ai Mena, ai, ai, ai...”
Na casa, existia um puxadinho que era utilizado para guardar as ferramentas da lavoura e pesca ou para abrigar o fogão a lenha. Observamos ainda uma tábua pregada na soleira da janela da cozinha que servia de apoio para lavar e secar a louça. Estas são também características de uma moradia de descendentes açorianos.

Eis aí mais um pedacinho da história de nosso povo.

Hugo Adriano Daniel é professor e historiador -
profhugoadriano@gmail.com

NICOTA - A Alegria em Pessoa

É muito prazeroso falar e escrever sobre Ana Honorata Vigânigo. Não sabe quem é? Mas se eu disser que se trata de Dona Nicota tenho certeza que você já esboçou um alegre sorriso. Era assim esta mulher de sorriso fácil.

Dona Nicota nasceu em 10 de outubro de 1929 , na comunidade do Campeche em família simples, mas que conquistou amizade de muita gente. Manezinha autêntica. Relembramos aqui alguns momentos na vida desta mulher. Nunca a vi reclamar de coisa alguma. Pelo contrário, conquistava a todos com seu jeito afetuoso de ser, sempre disposta a uma bela gargalhada.
Filha e esposa de pescador e numa época em que o dinheiro circulava apenas nas mãos de poucos, Dona Nicota praticava a troca como meio de sobrevivência. Não foram poucas as vezes em que trocava peixes por farinha e outros mantimentos .
Seu esposo, Zé Trocato (no registro lia-se Torquato), era um vigia da pesca da tainha de visão muito apurada e um habilidoso pescador de espinhel de caixeta. Espinhel de Caixeta é um método de enrolar um espinhel dentro de uma caixa de madeira, adentrando nas primeiras maretas (ondas) do mar e arremessando a linha para que a força da maré o leve para as águas mais profundas. Além de pescador ele era um conceituado forneiro de farinha de mandioca, saindo de suas mãos uma farinha de excelente qualidade. Trabalhava nos engenhos de farinha do Cândido Rocha, , Bento ( Félix) Cordeiro e tantos outros.
No início dos anos setenta, quando as primeiras linhas de ônibus passaram a circular no bairro Campeche em direção ao Centro, Dona Nicota passou a ser uma passageira assídua e assim foi desvendando novos caminhos pela cidade. Lembro que a Estrada Geral do Campeche, não possuía qualquer pavimentação e em dias de chuva Dona Nicota chegava esbaforida e no meio do caminho alarmava ao motorista para que a esperasse. “Espera seu Botinha, o motorista, que a Chiquinha vem mais atrás. Ela não pode andar ligeiro, pois sofre de pianço”. Chiquinha é sua filha e sofria com problemas asmáticos.
Dona Nicota também era conhecida como “a mulher da Consertada”. Explico: Consertada era uma bebida caseira feita de vinho, groselha, cachaça e café e era servida na época do Natal e Terno de Reis. Esta tradição vinha de seus antepassados, principalmente de sua mãe, Dona Honorata.
Dona Nicota jamais foi acordada pelo sol na sexta feira santa. Levantava antes do amanhecer para tomar banho de mar e colher marcela preservando desta forma a tradição cristã açoriana.
Um momento de extrema alegria de Dona Nicota foi no Carnaval de 2006 sendo homenageada pelo bloco de carnaval Onodi do Campeche como rainha do Carnaval e desfilou em cima do caminhão de som, com a faixa de rainha com uma enorme alegria estampada em seu rosto, encantando a todos, nativos e turistas.
Em toda minha vida só vi Dona Nicota manifestar um sentimento de tristeza. Quando o fiscal da Prefeitura a intimou para que se desfizesse de seu galo que ao cantar de madrugada atrapalhava o sossego da vizinhança. Mesmo assim Dona Nicota não se faz de rogada, olha para o fiscal, depois para o galo e dispara: “Quem? Esse tanso?”
Dona Nicota além de ser a alegria em pessoa exercia um profundo espírito de solidariedade e semanalmente era encontrada nos corredores dos hospitais, visitando os doentes levando-os seu abraço de carinho e conforto.
Dona Nicota foi alfabetizada aos 70 anos de idade, onde concluiu o ensino básico desistindo do ensino médio por considerar a matemática muito difícil. Gabava-se de não ter faltado a nenhuma aula. Lembro-me de uma ocasião ela me falar : “Hugo o computador é uma coisa muito estranha. Se aperta uma letra embaixo e ela aparece em cima”. Em outra ocasião me confessou: “È muito difícil fazer a letra pegada (letra cursiva). Após a alfabetização escreveu um livrinho de três páginas contando um pouquinho da sua vida. Este fato a fez ser merecedora de uma citação do colunista Cacau Menezes na tela RBSTV. Ela me emprestou o livro para uma leitura e como eu demorei a devolvê-lo ela me indagou: “Não vais me devolver o livro?” Eu rapidamente respondi: Ainda não terminei de lê-lo. Ela prontamente retruca: “És ruim de leitura, hein”. E caímos na gargalhada. O livro trazia um versinho de moda da ratoeira, uma dança de tradição açoriana, que transcrevo aqui: O engenho de farinha tem três tocador / um na prensa, outro no forno / O mió no cevado.
Em 2010 Dona Nicota é acometida de um câncer, mas mesmo adoentada nunca exibiu qualquer reclamação e mal humor. Quando era indagada sobre a doença ela de pronto respondia: “Tô nas graças de Deus”.
Dona Nicota além de cuidar da casa, trabalhava nas farinhadas e ainda tecia rendas de bilro para agregar ao orçamento familiar. No entanto estas tarefas nunca foram empecilhos para participar das atividades comunitárias e principalmente na espiritualidade. 
Acompanhava a bandeira do divino e nunca faltava as missas e as novenas sentando-se sempre na primeira fileira da Capela São Sebastião no Campeche. Foi ali que no dia 27 de julho de 2013 , em plena missa sentiu-se mal sendo conduzida ao hospital vindo a falecer no amanhecer do dia seguinte aos oitenta e três anos de idade. Deus não poderia escolher uma forma de morte mais simbólica para Dona Nicota. Sua lembrança será eterna. Dona Nicota, o sorriso e a alegria em pessoa.


Link para o trailer do filme sobre a Dona Nicota. 

Texto: Hugo Adriano Daniel – Professor/Historiador 
profhugoadriano@gmail.com